A votação recebida por Bolsonaro para além da margem de erro das pesquisas pode ser uma reação antipetista de ciristas no apagar das luzes
Encerrado o primeiro turno das eleições de 2022 e definido que o confronto entre o ex-presidente Lula e o atual presidente Bolsonaro no segundo turno, no dia 30 de outubro, é chegado o momento da costumaz autópsia do primeiro round da eleição presidencial e do papel de institutos de pesquisa.
A performance eleitoral de Jair Bolsonaro acima do antecipado é certamente um dos mais importantes acontecimentos do primeiro turno. De acordo com as pesquisas eleitorais realizadas até o dia 1 de outubro, projetava-se que Bolsonaro muito possivelmente teria menos de 40% dos votos válidos e que Lula poderia ser eleito presidente já no primeiro turno. Nenhum dos dois cenários se concretizou: Haverá segundo turno, com Bolsonaro e Lula se enfrentando, e Bolsonaro obteve 43,2% dos votos válidos.
Tais resultados justificam a desqualificação das pesquisas eleitorais? Penso que não. Como foi repetidamente dito por Felipe Nunes, diretor da Quaest, “pesquisa é diagnóstico, não é prognóstico”. Num sistema político como o brasileiro, marcado por baixa identificação partidária e alta personalização, a decisão do voto tende a ser mais volátil e suscetível a influências de curtíssimo prazo. Em outras palavras, as pesquisas reportam um cenário existente no momento em são feitas; cenários futuros são por conta em risco daquele que faz projeções.
O agregador de pesquisas do Estadão indicava uma leve tendência de queda de Lula e um leve viés de alta de Bolsonaro nos dias que antecederam a votação de 2 de outubro. Para um exemplo concreto, vejamos os resultados da duas últimas pesquisas da Quaest: Lula caiu de 51% em 27 de setembro para 49% em 1 de outubro enquanto Bolsonaro subiu de 36% para 38% no período. Sim, ambas as variações se deram dentro da margem de erro mas, ainda assim, indicaram tendência de leve convergência identificada tanto em pesquisas de institutos específicos como no agregador. Várias podem ser as causas de tal tendência na reta final, desde possíveis disparos em massa nas redes sociais, como acontecido em 2018, até o apoio público de Neymar e outras figuras públicas a Jair Bolsonaro às vésperas do pleito. Ainda sobre as margens de erro, usualmente em torno de 2%, uma estimativa de 38% para Bolsonaro significa que as intenções de voto para o atual presidente teria um limite superior de 40%, não tão distante dos 43% obtidos nas urnas.
Resultados do agregador do Jota mostravam um resultado semelhante: Bolsonaro com 39% dos votos válidos, e Lula com 49% das intenções de voto e uma probabilidade de apenas 15% de vitória do petista já no primeiro turno. De modo geral, os resultados das pesquisas de intenção de voto acertaram, dentro da margem de erro, os votos recebidos por Lula – e também os recebidos por Simone Tebet.
Mas o que explicaria a votação em Bolsonaro para além das margens de erro. Ao invés dos 38-39%, o incumbente recebeu 43%, dois por cento acima de possíveis 41% no caso de uma margem de erro de 2%. Em que as pesquisas teriam errado? Dado que pesquisas são diagnósticos de um momento e não projeções futuras, elas são incapazes de captar mudanças de voto na última hora, seja por voto útil ou por outro motivo.
E aqui voltamos aos votos além do antecipado recebidos por Bolsonaro. Quis o destino que o percentual de votos extra recebidos por Bolsonaro em 2 de outubro se assemelhasse tremendamente aos votos a menos recebidos por Ciro Gomes. As intenções de voto em Ciro oscilaram em torno de 5 ou 6% na semana anterior à eleição, e o candidato registrava tendência de queda durante o mês de setembro, de acordo com o agregador do Estadão. Todavia, Ciro obteve apenas 3% dos votos válidos.
Ciro serviu como camuflagem para uma parcela bolsonarismo envergonhado? É possível, como também é possível que o próprio Ciro Gomes tenha incentivado, de maneira não-intencional e a despeito de sua reconhecida inteligência, que muitos de seus eleitores tenham optado por Bolsonaro como um voto útil antipetista à medida que o primeiro turno se aproximava, o que explicaria sua queda ao longo do mês de setembro.
Verdade seja dita, a campanha de Ciro nunca empolgou nem decolou, a despeito do entusiasmado engajamento de seus seguidores nas redes sociais. Dado que Ciro nunca se colocou como candidato de fato viável em 2022, seus constantes ataques a Lula e falsas equivalências entre Lula e Bolsonaro (como a criativa invenção do termo “fascismo de esquerda”, que certamente deixou muitos cientistas sociais e historiadores em alerta) podem ter levado parte de seu próprio eleitorado a deixá-lo, pouco a pouco, com os fatídicos dois ou três por cento extras de Bolsonaro abandonando-o num último ato, quando nenhuma pesquisa poderia mais entrevistá-los.